Não abriu a porta. Parou, como se a admirasse. Na verdade nem pensava na porta, mas no que havia do outro lado. Se atravessasse, estaria em casa, a salvo de todos, ou quase todos, mas estaria só com o seu maior inimigo. Oscilou. Poderia dar mais uma volta pelo bairro, ver se encontrava alguém com quem conversar, um bar inda aberto, com seu dono já bêbado. Depois chamaria um táxi e voltaria para casa. Só para reencarar o mesmo tormento, mais uma vez, talvez mais bêbado, talvez mais só.
Oscilou mais um momento, ele e a porta. Por um instante pareceu que a porta que o encarava que decidiria se a ele seria ou não permitida a entrada. Segundos depois a porta se abriu, mais por vontade própria que por vontade dele. Entrou, acendeu a luz. Nada havia mudado. Sorriu. Estava em casa, saudado pelos móveis, pelas conquistas, abraçado pela solidão. Não tardou a sentir medo, maior, talvez, que o medo antes de entrar. Menor, por já estar lá dentro. Agora, mesmo que saísse, já havia entrado. Já havia provado do veneno do lar. Estava novamente amaldiçoado, novamente extraviado por suas paredes, suas lembranças.
Sentou. Já não era mais nada. Seu rosto parcialmente iluminado pelo abajur, seu reflexo na televisão desligada, sua sombra no sofá. Cada imagem de si o assombrava. Só, ele, o copo de uísque e o cigarro. A música ao fundo parece trilha sonora. Acompanha cada rastro de destruição, como faria um psicótico à vítima beirando a morte. Poderia dizer que se sente mal, mas sua seriedade nega esta afirmação. Também não estava pensativo, apesar de demonstrar o mesmo. No fundo, estava aflito, tinha um problema inventado em suas mãos. Criado, parte por sua lucidez, parte por seu pessimismo. O problema dos problemas inventados, é que não têm solução, a não ser desinventar, mas a dor do desinventar tiraria a causa do problema, que por mais que seja problema, por muitas vezes é solução.
Acende mais um cigarro. Foi um bom domingo, como todos os dias bons. Terminou a inútil reflexão com a frase: "só mais um copo e eu vou dormir." E assim o fez, para mais uma noite difícil. Ou assim seria , não fosse o poder sedativo do uísque. Revira-se um pouco. Quase levanta para mais um copo, ao fim, desiste. Nem reflete, nem adormece. Encara o teto. O efeito do uísque cada vez mais forte, sorri. Dorme.
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