Acorda com dores. Sente-se como se a cama o tivesse mascado enquanto dormia. O uísque da noite passada, que encantava sua cabeça, hoje despedaça todo seu corpo. Levanta quase que sem forças, às seis da manhã. Percebe como fora estúpido. Teria de trabalhar, mas como, naquele estado deplorável. Caminha para o banheiro quase que por extinto. Pensa o mínimo possível no caminho. A mão levada a testa, a boca levemente contorcida. Os pés, mais se arrastando do que andando. Era um corpo vazio que estava alí. Ele não, havia morrido na noite anterior. Só acordaria na próxima.
Abre a torneira com um gesto tão morto que toda a casa estremece perante sua imagem. Os olhos ainda fechados encaram o espelho. Mexe no cabelo procurando um rosto conhecido. Não encontra. Mal se reconhece. Joga água no rosto, uma, duas vezes e se olha novamente. Nenhuma mudança. Pensa em encarar o chuveiro. Desiste. Se olha mais uma vez no espelho. Dessa vez, não no espelho da pia, onde só via sua face; se encara num espelho maior, preso à parede, de onde via todo seu corpo. Se estranhou por inteiro. Imaginou como seria se sua imagem fosse refletida de cabeça para baixo, talvez se sentisse melhor.
Pensou algumas vezes antes de por a roupa para o trabalho. Pensou sobre quantos momentos estaria perdendo no mesmo e quanta coisa nova poderia descobrir em um dia longe daquela bendita empresa. Oscila entre ir e ficar. Pensa em ligar para alguém para saírem, tomarem uma cerveja e conversarem sobre relacionamentos, futebol, coisas da vida. Pega o telefone, abre a agenda, não tem ninguém. Ri quando descobre que o único número que ainda guarda é o de sua mãe, que nem sabe se existe. Começa a digitar o telefone dela, mas pára no meio. Se, depois de anos, ligasse assim, do nada, a velha poderia pensar que acontecera alguma coisa. Resolve se embreagar sozinho. A ressaca já quase esquecida, ou acostumada.
Pega sua carteira, uma roupa esportiva, chinelos e se encaminha para fora de casa. Bate a porta. A mesma do dia anterior. Dessa vez, sem medo. A saída é tão mais fácil. Cruza a primeira rua, vira a esquerda, vê passar seu ônibus. Acena para o mesmo e sorri. - Perdi- pensa. De repente escuta o freio do mesmo passos atrás dele. Era seu colega de andar, Silvio. Acena, Silvio corresponde e grita -"Vem, vem! vai perder seu ônibus"-. Sorri. Pensa em como a vida é injusta. Entra no ônibus. Dentro de 20 minutos estará em seu trabalho. Maldita sorte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário