Eram seis horas. Um dia, cruel e cansativo como todos os dias de trabalho. O suor escorrendo de sua testa, a gravata frouxa, a camisa desabotoada. Uma cara cansada e triste encarava os papéis por sobre a mesa. Era só mais um dia de escritório. Mais um dia terrível de escritório. Cruel e cansativo. Pior: cruel, cansativo e inevitável, como a morte de um ente querido. Já eram seis horas e em pouco tempo estaria livre daquele tormento, físico e mental, mas quanto mais tempo passava lá dentro, mais queria de sair. Não suportava mais nada: o cheiro, os rostos, a cadeira, as cores do prédio, o piso do andar onde trabalhava, a música do elevador, o cheiro de limpador perfumado barato e os extintores destacados nos corredores frios.
Finalmente acabara. Poderia ir para casa, mas foi convidado por uns colegas de trabalho para ir a um bar, no julgamento deles, muito bom. Aceitou com um pouco de luta, mas foi. O bar não era longe, puderam ir andando, e recebeu a proposta de uma carona para casa, o que seria ótimo. Chegaram no bar em uns cinco minutos. O nome era "Bar da Tia", achou o nome pouco interessante, entrou. O lugar era pequeno e mal arrumado. Haviam alguns garçons que sambavam por sobre as mesas espalhadas de forma ilógica. O próprio ar do local o deixava enjoado. Um cheiro de limpeza suja e fritura atordoava todos que não estavam acostumados. Ao fundo, um bêbado monopolizava a "jukebox" colocando músicas que, provavelmente,ouvia com sua ex esposa. Ao final de cada uma, chorava, o que deixava o ambiente, caso prestasse atenção, ainda pior.
Receberam o menu. Olhou de relance os preços e o colocou na mesa. Não pediria nada, olhou para os acompanhantes, estavam avaliando cada opção com uma visão clínica, como se tudo valesse à pena e estivessem apenas selecionando a cirurgia de hoje. Ao final de alguns dez minutos, olharam, todos ao mesmo tempo para ele, um deles, Carlos, se não se enganava, perguntou:
-"E ai, cara, vai pedir o que ?"
Nesse momento percebeu que teria que pedir algo. Estava cercado. Disse rápido, sem pensar muito -"um chope"- e foi isso que veio do garçom. Talvez o pior chope de sua vida. Primeiramente, o copo não veio cheio até o topo, sentiu como se estivesse quase na metade. Provou o chope, o gosto de gordura estava em tudo, até na cerveja. Percebeu que o copo não havia sido lavado. Enojou-se. Não beberia o resto. Começou a reparar no lugar, os lustres, algumas coisas penduradas nas paredes, a iluminação fraca e mal colocada, o chão engurdurado, a porta velha, as atitudes nojentas do homem atrás do balcão, a quantidade de bêbados entrando e saindo.
De repente, em meio a tantos pensamentos, com uma cara um pouco pasma, um pouco enojada, é acordado por uma voz bem no fundo de sua mente.Olha para o lado, a mesa inteira estava olhando para ele. Simplesmente, havia passado uma hora, e ele continuara quieto. Começaram a interrogá-lo: perguntar se estava tudo bem, se tinha acontecido algo, se tinha gostado do lugar, o que gostava de fazer... algumas perguntas, apenas concordou, outras, parou para pensar e não sabia responder, estranhamente, as mais pessoais eram as mais difíceis. Não aguentou mais. Estava pagando caro demais por um lugar tão ruim.
O atendimento era um lixo, a comida era terrível, o chope parecia velho, a companhia era idiota. Cansou-se. Levantou sem se despedir e foi rumando para casa. Se arrependeu momentaneamente, quando passou pelo carro de Carlos. Não receberia mais a carona, talvez nem falassem mais com ele no dia seguinte, mas este não lhe preocupava. Olhou para o relógio. Seu próximo ônibus seria em uma hora, não arriscou ficar esperando e acabar os reencontrando. Acendeu um cigarro, o primeiro do dia, e foi andando para casa, derrotado.
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